17 de setembro de 2014

A semântica do amor contemporâneo

Débora Marx no Literatortura

O amor é o sentimento mais exaltado pelos poetas desde o século XVI, e pelos registros literários e históricos pode-se afirmar que o amor Eros nunca foi tão aceito e liberado em sociedade, quanto nos dias de hoje, nos quais as barreiras criadas pelas tradições e valores estão cada vez menores: Mulheres, homens, velhos, jovens, não importa! Ainda que com algumas resistências, cada um conseguiu, por meios até convergentes, o direito de escolher quem amar e como amar. Porém, em pleno século XXI, com a intensificação da vida nervosa e com estigmas sociais cada vez mais pesados, nos questionamos não mais se podemos amar, mas sim, se ainda somos capazes.


Todos os dias somos cercados pelas notícias de “amores” que viraram tragédias; não tragédias como a de Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta, mas sim provocadas pelo ciúme excessivo, pela necessidade da autoafirmação e principalmente pelo egoísmo unilateral.

Assim, assistimos o amor sofrendo uma metamorfose e virando negócio, relação comercial, condição determinante para alguém se sentir completo e realizado socialmente. Os mais românticos certamente discordarão, mas o fato é que por um status social cada vez mais almejado, nos forçamos a ter alguém, nos prendemos cada vez mais ao comodismo e às aparências, mesmo que o verbo, aquele desejado pelas donzelas com vidas levemente açucaradas, não exista nem em estado inicial.

Para a psicanálise, amor é projeção, é colocar todas as suas expectativas em uma pessoa, simplesmente depositar em alguém e esperar (talvez até exigir) que ela responda às crenças do estereótipo perfeito, criadas e conservadas ao decorrer da vida.

Dessa forma , buscamos, procuramos, lutamos pelo tão sonhado amor, quando na verdade queremos apenas saciar o nosso ego. Sentir-se realizado e aceito está intimamente ligado ao fato de se sentir amado.

Quintana, Bandeira, Alencar, todos os mestres da literatura, independente da escola literária, em algum ponto da carreira abordaram o amor e tudo aquilo que ele lhes traz e provoca. Interessante é que comumente encontramos passagens literárias como: amo-te, porque preciso do teu amor. Quase nunca se acha algo como: preciso do teu amor, porque te amo. Compreende o que estou falando agora?

Bom, antes que vocês comecem a pensar que eu sou uma cética, que só vejo o pior das coisas, e blá blá blá , quero deixar claro que acredito SIM no amor! Só não acho que ele acontece 30 vezes ao ano como se vê comumente por aí com algumas pessoas, e que por está sendo tratado com tanta banalidade vem perdendo a essência, o lirismo, o real sentido. Na música de Leoni, Fórmula do Amor, nos fica claro a incansável busca do homem pela tão sonhada poção dos amantes, mas para esse sentimento não existe receita mágica, não existe guia prático, não existem resultados ao final de “10 lições pra conquistar o homem dos sonhos”.

Em síntese, virou necessidade ser amado, usar o outro pra escapar de uma depressão, de uma crise existencial, dos próprios fantasmas, usar o outro para não se sentir tão só, para auto afirmar o seu estado de macho alfa como possuidor (sim possuidor! Dono mesmo!) de alguém. Ah, amor virou negócio de muitos e arte de poucos.

Por fim, Fernando Pessoa, aquele português simpático e conhecido, resume tudo o que falei em uma frase:
“Enquanto não atravessarmos a dor da nossa própria solidão, continuaremos a buscar-nos em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um.”

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