5 de setembro de 2014

Para pesquisadores, Harry Potter ensina tolerância

Por Julia Dietrich, do Centro de Referências em Educação Integral via Por vir

Um garoto com um raio na testa, um menino com uma família que enfrenta dificuldades financeiras e uma garota esperta que não sente que pertence inteiramente à sua sociedade. E, claro, todos os três são bruxos. O enredo da série de livros infantojuvenis Harry Potter, segundo estudo de psicólogos de diferentes universidades europeias, além de instigar a imaginação dos leitores, estimula que jovens apresentem mais tolerância e qualifiquem suas percepções sobre grupos estigmatizados, como homossexuais, imigrantes e refugiados.

Para tanto, o grupo de pesquisa, que reuniu cientistas das Universidades de Modena e Régio Emília, Padova e Verona, na Itália, e Greenwich, na Inglaterra, conduziu o estudo em três etapas. Na primeira delas, foi realizada pesquisa com 34 estudantes do que equivaleria ao 5º ano do ensino fundamental, que participaram de um curso de seis semanas estudando e discutindo os livros da série.



No início, os pesquisadores aplicaram questionários com as crianças sobre a percepção delas sobre os imigrantes, tema de importante discussão nos países do estudo. Os estudantes foram divididos e dois grupos, que leram trechos selecionados dos livros. O primeiro grupo discutiu preconceito e intolerância, assumindo eles próprios como personagens do livro, interpretando as passagens como se fossem parte da turma e o próprio Harry. O outro grupo fez o mesmo, só que sem a interpretação dos personagens. Como resultado, aferiu-se que as crianças que se identificavam como Harry, apresentaram melhora expressiva na forma de perceber e agir em relação aos imigrantes.

Em um segundo momento, com 117 estudantes do ensino médio de uma escola italiana, os pesquisadores perceberam que a ligação emocional dos alunos com o personagem de Harry fazia com que os jovens fossem mais tolerantes à população LGBT. E, em uma terceira etapa, dessa vez com estudantes universitários, percebeu-se que a identificação com Harry não fazia os estudantes mais tolerantes aos refugiados. Contudo, indicou que aqueles que tinham menor conexão com o Lorde Voldemort – o vilão da história – melhoraram significativamente suas percepções e atitudes em relação à população em situação de refúgio.

Ainda como resultado do estudo, os pesquisadores perceberam que além dos resultados expressivos em relação a alguns grupos sociais, de maneira geral, os leitores da série apresentaram melhora na forma de perceber e reconhecer grupos marginalizados. Os autores, que publicaram o estudo na Revista de Psicologia Social Aplicada, periódico relevante na área, ainda afirmaram que, com o estímulo de um professor – envolvido no estudo -, os estudantes conseguiram entender que o constante apoio demonstrado por Harry aos “sangue ruim” (pessoas bruxas filhos de não-bruxos, os “trouxas”) e mestiços (pessoas filhas de bruxos e trouxas) era uma alegoria à intolerância na vida real.

O livro

Na série, além do perfil de defensor dos “trouxas, mestiços e sangue ruim”, Harry se mostrava companheiro de Ron, que embora filho de bruxos, vinha de uma família com variadas dificuldades financeiras. “A Hermione era bastante tolerante também. O trio – Ron, Harry e Hermione – lutava pelos direitos dos demais como um todo”, afirma Daiane Santos, 28, que leu a saga ainda adolescente.


Beatriz Ribeiro Fraga, 12, estudante do 8º ano de uma escola na capital paulista, concorda com a ideia de que livros de fantasia como Harry Potter são sempre um convite a perceber e reconhecer a importância do diferente na sociedade. “Nessas histórias percebemos que as pessoas juntas, cada uma de um jeito, com as suas características , quando se unem, conseguem vencer seus desafios”, discute.Para a jovem, em Harry Potter o leitor encontra um mundo onde tudo é possível, para todo mundo, independente da realidade e contexto de cada um. “Mesmo caricatos, os personagens diferentes são os que contam e transformam a história”, explica, discutindo que, para ela, a magia da literatura reside justamente na possibilidade do encontro com outras realidades. “Leio porque quero me encontrar em outros cenários, me ver em outras situações. É aí que penso como eu seria se fosse diferente, o que eu faria, como eu agiria nessa situação, e isso transforma a forma como eu me vejo e como eu vejo os outros”, justifica.

E, para a garota, os livros, independentemente do gênero, são sempre um convite para que o leitor se reconheça e descubra muito sobre si mesmo. “Os livros fazem com que a gente pense sobre quem somos e podem nos mostrar que podemos ser quem somos, e que também podemos nos transformar”.

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