Interessante é que o discurso por trás de toda boa literatura, quase sempre, é justamente o da liberdade.
A liberdade de dois jovens que se amam cometerem um engano e se envenenarem por se amar – em Romeu e Julieta -, a liberdade de um fidalgo que sai em busca de aventuras como cavalheiro – em Dom Quixote -, a liberdade de enfrentar ou não um processo misterioso – em O Processo (sim, K tinha essa escolha) -, a liberdade de Mersault matar um árabe porque o sol refletido em uma faca o incomodava – em O Estrangeiro -, e até mesmo a liberdade de ser ou não um bruxo e estudar em Hogwarts – na série Harry Potter. Boa ou não, em toda a literatura ainda que as escolhas sejam feitas pelos autores, todos os personagens passam pelo dilema da liberdade. E, depois, pelas conseqüências dessa liberdade, pelas escolhas que devem fazer e, acima de tudo, por assumir ou não as responsabilidades por essas conseqüências. Ser ou não ser, como você já deve ter adivinhado.
A literatura tem sob a agitação da pele – na superfície, onde se vê as ondas, onde acontecem os diálogos e onde se nasce e se morre – um esqueleto ético. E, assim, o osso da liberdade se liga ao osso das conseqüências que se liga ao osso da responsabilidade.
Mesmo quando, na literatura, não há essa liberdade e o homem é um marionete do destino, determinado por algo fora dele a cumprir algo, como na mais remota origem grega – Édipo Rei, por exemplo -, é isso que se discute: o quanto podemos ser livres, o que fazer com isso e como assumir tal fato.
Porém, a liberdade, ao tentarmos defini-la, não conseguimos abarcá-la. Como aqueles seres lendários que habitam o canto dos olhos: quando vamos olhá-los já mudaram de lugar. É como se ela não se deixasse fotografar. Como se só fosse possível entendê-la em movimento e se movesse tão rápido que só víssemos um borrão.
Uma comunidade como essa no Orkut, por incrível que pareça, é um desses movimentos da liberdade. Mesmo porque eu acredito que muitos dos que ali estão não odeiam a literatura dos livros– talvez nem a conheçam -, mas odeiam a literatura da escola. Como quem odeia Física, Química ou Biologia.
E, assim como a literatura dos livros, que afinal não se lê só nos livros, fala de liberdade – inclusive da liberdade de ser odiada -, aquela comunidade, sob certos aspectos também é literatura.
Sim é. Como pinturas rupestres modernas, como estas minhas linhas que ora você permite aparecer em sua tela e lê com maior ou menor interesse, registro mais ou menos importante de nossa passagem pela vida ou pela História.
E ela, a tal comunidade, traz esse registro: de seres humanos, dotados de responsabilidades irrevogáveis, no exercício de sua liberdade de odiar a literatura.
Mais uma vez, a liberdade deixa o seu borrão em nossa vista.
Fonte: Livros e afins.
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