Por Menalton Braff para o Carta Capital.
Meu fascínio por biblioteca vem de longe, vem do tempo em que subia numa cadeira para escolher algum livro do meu agrado para roer com a voragem de principiante. Era a biblioteca do meu pai, a primeira que frequentei sem ainda ter noção do que fosse uma biblioteca, pois aquilo tinha cara de ambiente natural, apenas mais um cômodo da casa.
Mas a biblioteca do meu pai não era lá muito rica em literatura e, quando nos mudamos para Carazinho, norte do Rio Grande do Sul, tinha já roído tudo que havia para roer em casa, então desci da cadeira. Estava numa idade em que as ruas de uma cidade não me assustavam mais. Melhor ainda, nossa casa ficava a três quarteirões do prédio da prefeitura. Não me lembro de como descobri, o certo é que um dia me encontrei em uma sala daquele vetusto prédio conversando com a moça que ficava sentada atrás de uma escrivaninha, sobre a qual uma caixinha de madeira continha milhares de fichas.
A bibliotecária, depois de me fazer mil perguntas, de onde vinha, de que mais gostava, coisas assim, fez uma ficha onde escreveu meu nome, meu endereço, e registrou o primeiro livro que levei emprestado. Não, não me lembro qual foi. Só sei que Victor Hugo, Alexandre Dumas e outros cavalheiros que me foram apresentados passaram a fazer parte da minha família. Terminava de ler um livro e voltava lá. Não posso me esquecer do sorriso com que aquela moça me atendia, dando sugestões, fazendo perguntas sobre o livro anterior. Ficamos amigos.
Em seguida fui parar em uma escola de São Paulo como aluno interno. Ah, maravilha! Perdi o ano letivo, mas encontrei uma bibliotecária e um colega mais culto do que eu e foi assim que li praticamente todo o Alexandre Herculano e de quebra diversos livros do Paulo Setúbal. Machado e Alencar, a esta altura, me acompanhavam em minhas aventuras. Nesta época me deu vontade de escrever um romance com o estilo do José de Alencar. Aquelas descrições dele, das matas do Brasil, da poeira de sol sobre as copas das árvores me deixavam encantado. Cheguei a escrever o romance. Mas onde podem ter parado aqueles cadernos?
Em Porto Alegre, naquele prédio antigo pintado de amarelo, ali perto do teatro São Pedro, comecei a modernizar minhas preferências. Alternava as retiradas de livros da biblioteca pública com as visitas à Livraria Globo, na rua da Praia. Sentava no corredor, entre as prateleiras e ficava lendo orelha de livros até encontrar algum que me desse vontade de comprar.
Foi nesse tempo que fui apresentado à 2ª Geração Modernista brasileira. E saber que se pode também escrever sobre as coisas do presente, sobre as coisas conhecidas, ah, isso me dava calafrios. O Erico Verissimo, falando de umas pessoas muito parecidas com meus parentes do interior, representou o dedo no gatilho. Dos meus primos, quem podia falar melhor do que eu?
Nunca mais consegui passar por uma biblioteca sem fazer uma reverência. Lugar sagrado, tabernáculo de conhecimento e beleza. E as livrarias (tão poucas no Brasil) foram sempre uma ameaça ao meu equilíbrio orçamentário. Não faz mal, ambas, livrarias e bibliotecas, são o outro mundo, muito mais rico, muito mais prazeroso do que o ramerrão do dia a dia.
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